Após a crise de 2008, consolidou-se modelo de governança corporativa comprometido com a ética, a integridade, a transparência e o cumprimento das regras, em um esforço de construção de um mercado global mais estável, confiável e justo. Os programas de compliance passaram a ocupar papel de destaque na rotina empresarial, fortalecendo aspectos de prevenção e avaliação de riscos, além de reforçar a necessidade de cooperação privada nas políticas anticorrupção.
Segundo a Tax Justice Network, entre 21 e 32 trilhões de dólares estão escondidos em jurisdições secretas (paraísos fiscais e centros financeiros offshore), o que resulta em uma perda global de receitas tributárias da ordem de 200 bilhões de dólares por ano.
Em 2010, os EUA aprovaram o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), em vigor desde julho de 2014, cujo objetivo é justamente aumentar a transparência e prevenir e combater a evasão fiscal, identificando contas financeiras de residentes fiscais norte-americanos fora do país. O FATCA prevê a possibilidade de acordos intergovernamentais e entre o governo dos EUA e instituições financeiras, com a finalidade de proporcionar a troca de informações fiscais.
Em 2013, as cinco maiores economias da União Europeia de então, Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, decidiram desenvolver um programa contra a evasão fiscal inspirado no FATCA.
Nesse cenário de fechamento do cerco à evasão fiscal, o governo federal sancionou a Lei nº 13.254/2016, que estabeleceu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), por meio do qual o contribuinte declara voluntariamente a propriedade de ativos no exterior não declarados anteriormente ou declarados incorretamente, desde que tenham origem lícita. A adesão ao RERCT extingue a punibilidade dos seguintes crimes: crimes contra a ordem tributária, crime de sonegação fiscal, supressão ou redução de contribuição previdenciária, realização de operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do País, manutenção de depósitos não declarados, e do crime de lavagem de recursos obtido por meio dos crimes anteriores. A lei foi regulamentada pela Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.627/2016. O prazo de adesão ao regime teve início no dia 4 de abril e a data limite é 31 de outubro de 2016.
A medida objetiva aumentar a arrecadação, em um período de profundo déficit fiscal. Além disso, os acordos internacionais de troca de informações fiscais entre países e entre países e instituições financeiras, incrementaram o sistema de combate à lavagem de dinheiro, facilitando a identificação de depósitos ilegais ao redor do mundo. Graças aos esforços que buscam implementar um modelo de governança corporativa baseado em transparência fiscal e cooperação tributária, de que o FATCA é o exemplo mais visível, mesmo paraísos fiscais e centros financeiros offshore, antes considerados inexpugnáveis, hoje estão sendo obrigados a adotar controles mais rígidos e mesmo a cooperar com investigações em outros países. Há cada vez menos portos seguros para o dinheiro sujo no mundo hoje. E a tendência é que esse movimento se acentue.
A Fiesp estima que os recursos não declarados ou declarados incorretamente de brasileiros no exterior somem US$ 400 bilhões. A potencial arrecadação com o RERCT foi estimada em até R$ 35 bilhões, mas os interessados, em sua maioria, aguardam definições de consultas realizadas à Secretaria de Receita Federal antes de tomar a decisão de aderir.
O mecanismo criado prevê que o indivíduo ou a pessoa jurídica interessada em aderir ao regime deverá fazer uma “declaração única de regularização específica contendo a descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de qualquer natureza de que seja titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados (...) com a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes” referidos acima. Possibilita-se, assim, que recursos alocados fora do país sejam regularizados com o pagamento de 15% de imposto de renda e multa de 15%.
A questão relativa à licitude da origem dos recursos e mesmo à necessidade de comprovação dos fatos declarados no momento da adesão ainda gera dúvidas, mas a Receita Federal esclareceu que prevalece a presunção de licitude da declaração e que o ônus de provar eventual ilicitude dos fatos declarados será da autoridade fiscal.
Outro ponto que merece atenção diz respeito à previsão constante no art. 5º, § 2º, II, da referida lei, segundo a qual a extinção da punibilidade “somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”. Muito embora a IN impeça a adesão ao RERCT de quem “tiver sido condenado em ação penal cujo objeto seja um dos crimes listados no § 1º do art. 5º da Lei nº 13.254, de 2016, ainda que não transitada em julgado”, já há decisão judicial no sentido de autorizar contribuinte condenado por decisão recorrível a um dos crimes previstos no referido diploma legal, entendendo-se que a IN extrapolou o seu poder regulamentar.
Embora ainda existam dúvidas e incertezas quanto ao exato alcance das normas que regulam o processo de repatriação de capitais não declarados de brasileiros no exterior e a despeito dos riscos tributários e mesmo penais inerentes, trata-se de uma janela de oportunidade que merece ser avaliada. A tendência é que as regras de transparência fiscal e cooperação tributária se tornem ainda mais rígidas, o que transforma o RERCT na derradeira chance de regularização de recursos expatriados.
*Cristiano Avila Maronna, advogado, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, é sócio de Maronna, Stein e Mendes Advogados.