A gestão de arenas multiuso pela iniciativa privada tem ganhado espaço no Brasil. O número de exemplos certamente aumentou com o impulso conferido pela Copa do Mundo FIFA 2014, que motivou a delegação a particulares das atividades de reforma e de operação de alguns estádios públicos, como no caso do Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, da Arena Pernambuco em Recife (Castelão); da Arena das Dunas em Natal; do Mineirão em Belo Horizonte e da Arena Fonte Nova em Salvador. Para a grande maioria dessas arenas, o modelo adotado foi o das parcerias público-privadas, em função dos elevados investimentos envolvidos. Ao longo de sua experiência em PPPs neste setor a Manesco aprendeu lições importantes.
A operação das arenas apresenta grande complexidade jurídica, seja quando realizada exclusivamente pela iniciativa privada, seja quando realizada em regime de parceria com o poder público.
O operador, no mais das vezes, exercerá o papel de integrador da atuação de prestadores de serviços variados (limpeza, segurança, manutenção, etc.), de fornecedores exclusivos (bebidas e alimentos), de promotores de conteúdo (shows e eventos), de patrocinadores, de clubes de futebol, de locatários de lojas e de espaços destinados à alimentação e à conveniência, dentre outros interessados.
O grande desafio envolverá, portanto, a construção de relações jurídicas que sejam complementares entre si, evitando-se a colisão de direitos e de obrigações acordadas com cada um desses atores.
É muito comum, por exemplo, o risco de que o patrocinador de bebidas de determinado evento, planejado por um promotor de conteúdo que contrate o uso do estádio, seja distinto e concorrente daquele que, eventualmente, ofereça patrocínio para a arena como um todo.
Nos casos da gestão realizada por meio de concessões, muitos dos contratos firmados com o Poder Público preveem parâmetros de desempenho rígidos, fiscalizados por meio de entidades especializadas (os chamados verificadores independentes, figura comum nas parcerias público-privadas). Há, portanto, a necessidade de reprodução, nos contratos com terceiros, dos parâmetros de desempenho impostos pelas regras da concessão, tornando os processos de negociação demorados e custosos.
Há de se destacar, ainda, que os serviços e utilidades oferecidos nos estádios acabam por adquirir dimensão mais rebuscada do que a usual, diante do grande número de usuários envolvidos, dos riscos verificados durante os eventos e da incidência simultânea de diversos regimes jurídicos, como o decorrente do Estatuto do Torcedor, do direito do consumidor, das normas sanitárias e das demais posturas públicas vigentes (leis de uso e ocupação do solo e códigos de posturas municipais).
Exemplo significativo do quanto afirmado pode ser encontrado na área de segurança, em que a distribuição eficiente de responsabilidades entre os agentes públicos (únicos capazes de exercer com plenitude o poder de polícia) e agentes privados apresenta-se como essencial nas grandes arenas.
Ainda a título exemplificativo, tem-se o provimento de alimentação, cujos contratos abrangem a definição de critérios de qualidade dos produtos, dos preços a serem aplicados, dos parâmetros de atendimento dos usuários e da observância de regras de higiene e limpeza rígidas. A depender do modelo de prestação de serviços de alimentação adotado, deverá também ser disciplinado o compartilhamento de receitas, de espaços e de equipamentos no âmbito do estádio. Complexidade semelhante poderá ser encontrada nos contratos relativos as vendas de direitos de marketing ou de cotas de patrocínio no âmbito da arena; nas avenças de fidelização de partidas com clubes de futebol; nos contratos de realização de eventos (shows e outros); nos serviços de comercialização de ingressos e do controle de acesso de pessoas e nos serviços de gestão de estacionamento.
Como se vê, a diversidade de detalhes presentes na operação de uma arena multiuso demanda um cuidadoso trabalho jurídico, que resulte na construção de contratos claros e que prevejam o maior número possível de cenários e de interesses envolvidos.
*Monica Salles Lanna
Foi publicada no Diário de Justiça no último dia 18 de Maio a Súmula 529 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que veda ao terceiro prejudicado ingressar em juízo direta e exclusivamente contra a seguradora nos casos de seguro facultativo de responsabilidade civil.
A Súmula 529 foi aprovada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada em matéria de direito privado, em 13 de maio de 2015, com a seguinte redação: “No seguro de responsabilidade civil facultativo não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do contrato causador do dano”.
Em 2012, a matéria foi objeto do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 962.230. Recentemente, foi objeto do Agravo em Recurso Especial Nº 235.999-MT. Na decisão do referido Agravo, a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti refutou a alegação do recorrente de que o ajuizamento de ação direta e exclusivamente em face da seguradora estaria assegurado pelos art. 535, 267, VI, do CPC e pelos art. 186, 787 e 927 do CC. A Ministra sustentou que nos casos de seguro de responsabilidade civil facultativo o ressarcimento dos danos sofridos por terceiro pressupõe o reconhecimento da responsabilidade civil do segurado, o que exige, portanto, a presença deste no processo, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
A Ministra ressaltou, ademais, que “o contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil visa à proteção do patrimônio do segurado, não se tratando de estipulação em favor de terceiro”. Diante disso, não existe relação jurídica de direito material entre o terceiro prejudicado e a seguradora. Com efeito, resta ao terceiro prejudicado cobrar os danos sofridos diretamente do causador do dano, ou ingressar em juízo contra segurado, podendo adicionalmente, caso lhe convier, convocar a seguradora a compor o polo passivo da demanda.
*Advogados do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados