Em 25 de março do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da questão de ordem sobre a chamada “modulação no tempo” dos efeitos de decisão proferida em 2013 que declarou parcialmente procedente o regime de pagamento de precatórios estabelecido pela Emenda Constitucional nº 62/09 (“EC 62/09”).
Promulgada em dezembro de 2009, a Emenda Constitucional 62, também conhecida como “Emenda do Calote”, alterou substancialmente o art. 100 da Constituição Federal (CF). Além da alteração do referido artigo, a Emenda acresceu o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórios (ADCT), com novas regras de alocação de recursos e pagamento dos precatórios. Estados e municípios passaram a ser obrigados a destinar entre 1% e 2% de sua Receita Corrente Líquida (RCL) para uma conta especial de pagamento desses precatórios. Por outro lado, foi autorizado o fracionamento das quitações de débitos em até 15 anos. O art. 97 previu também que 50% dos precatórios seriam quitados por um sistema de pagamentos em ordem crescente de valores, mediante leilões ou acordos diretos com credores. Com efeito, apenas metade dos pagamentos continuaria a observar a ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Tais alterações tiveram como foco a regularização dos inadimplementos por parte dos entes federados, por outro lado, causou pânico nos credores de precatórios, que tiveram a ordem e as regras de pagamento de seus créditos significativamente alteradas.
De fato, o novo regime estabelecido pela EC 62/09 teve certas repercussões positivas. Alguns entes federados que se encontravam inadimplentes há quase 30 anos realizaram o pagamento dos valores mínimos determinados pela Emenda, temerosos das sanções estabelecidas para o descumprimento. Entretanto, diversas das suas disposições mostraram-se incompatíveis com ordem constitucional. A previsão de leilões e negociações diretas com os credores, por exemplo, acarretou um privilégio aos credores dispostos a dar maiores descontos. O fracionamento da quitação em 15 anos, ademais, pode ser entendido como uma afronta ao princípio da razoável duração do processo.
Nesta esteira foram ajuizadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4.357 e 4.425. Embora o pedido liminar tenha sido indeferido, em 2013 foi declarada sua procedência parcial. Foram julgadas inconstitucionais as novas regras concernentes aos direitos de preferência para pagamento, à compensação compulsória de créditos, à alteração do índice de correção dos débitos, que passou a ser atrelado ao índice de correção da poupança. Foi declarado inconstitucional ademais, todo o art. art. 97 do ADCT cujas regras foram acima expostas.
Para evitar o caos que se instalaria nos estados e municípios que já estavam atuando conforme o novo regime especial (a incluir a paralisação de todos os pagamentos em curso), foi requerido ao STF, ainda em 2013, a modulação dos efeitos da decisão, ou seja, o estabelecimento de regras de transição, para que os entes federados pudessem adaptar-se à nova realidade.
A modulação foi concluída no último dia 25 de março, de 2015. Com vistas a minimizar os impactos da decisão, o STF estabeleceu efeito exclusivamente prospectivo para a decisão de inconstitucionalidade, seus efeitos serão aplicáveis apenas a partir da decisão modulatória.
Como fica
Restou reconhecida a validade dos precatórios expedidos ou pagos até a referida data;
Foi mantida a aplicação do índice de correção estabelecido na EC 62/09 até a referida data, a partir de quando deve ser utilizado o IPCA-E para a correção de créditos não tributários e os critérios de correção de créditos já usados pelas respectivas Fazendas Públicas, para os créditos tributários;
Foram resguardados os precatórios federais expedidos na forma dos art. 27 das Leis Federais nº 12.919/13 e 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária.
Foi mantida a validade das compensações de créditos, dos leilões e dos pagamentos à vista realizados por ordem crescente de crédito até esta data, a partir da qual não será possível a quitação por essas modalidades.
A decisão do Supremo determinou, ademais, a sobrevida do regime especial da EC 62/09, por 5 exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016. Fica mantido para este período, portanto a vinculação de percentuais mínimos da RCL entes federados ao pagamento dos precatórios, assim como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos públicos destinados ao pagamento de precatórios.
Outros efeitos importantes
Manutenção da possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e a legislação do respectivo ente federado, sendo possível a redução do crédito em até 40% do seu valor atualizado.
Atribuição de competência ao CNJ para:
Apresentação de proposta normativa ao STF para regulamentação das regras de compensação de precatórios vencidos com a dívida ativa.
Regulamentação do uso compulsório de 50% dos depósitos judiciais tributários no pagamento de precatórios.
Monitoramento e supervisão dos pagamentos de precatórios realizados pelos entes federados.
Decorrências
Diante do quadro apresentado, mostra-se de extrema importância que os Estados e Municípios promovam os ajustes institucionais, orçamentários e operacionais necessários ao atendimento da redação do art. 100 da CF, dentro dos prazos e condições da decisão do STF de 25 de março de 2015.
Por outro lado, os detentores de crédito perante a União, devem se apressar no reconhecimento judicial de seus haveres, considerando que, findo o prazo quinquenal estipulado, retornar-se-á ao regime anterior, baseado no pagamento em ordem cronológica única, com as ressalvas apenas dos créditos preferencias de natureza alimentar dos idosos e portadores de doenças graves.
Ademais, ocorrerá a desvinculação do percentual da RCL dos estados e municípios e o retorno da administração do pagamento de precatórios aos entes federativos, cabendo às respectivas Fazendas Públicas pagar integralmente o primeiro da lista cronológica e assim, sucessivamente.