Finalmente foi editada a regulamentação da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), há muito aguardada pela Administração, agentes privados e operadores do Direito. O Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, publicado ontem, se propõe a solucionar muitas das questões e impasses inaugurados pela Lei Anticorrupção, ainda que vários ainda persistam.
O Decreto é bastante extenso e regulamenta os principais institutos estabelecidos na Lei. Inicialmente, disciplina, do art. 2º ao art. 14, o chamado Processo Administrativo de Responsabilização (PAR).
A forma de cálculo (dosimetria) das multas a serem aplicadas também tem grande destaque na lei, conforme seus arts. 17 e seguintes. As multas serão estabelecidas pela soma de valores (percentuais do faturamento bruto no último exercício), relacionados a determinado “grau de gravidade” do ato lesivo, como, por exemplo, o conhecimento ou participação da direção da empresa, a reincidência etc. Em seguida, são previstos, os percentuais de redução que deverão ser subtraídos do valor da multa (cooperação do infrator, existência de programa de integridade, entre outros) e valores mínimo e máximo para a multa.
O acordo de leniência, tema que é alvo de grandes controvérsias, tem bastante destaque na nova regulamentação. Primeiramente, ela esclarece os efeitos do acordo de leniência em relação às sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei nº 8.666/1993, ou de outras normas de licitações e contratos, determinando que estas poderão sofrer isenção ou atenuação. O mesmo dispositivo determina ainda que os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto.
Contudo, os efeitos de isenção de sanções e atenuação das multas não são obrigatórios. Dado que o Decreto prevê que o acordo de leniência conterá “um ou mais efeitos”, é possível que a decisão não contemple a integralidade das sanções administrativas previstas na Lei nº Anticorrupção, na Lei de Licitações ou em outras normas de licitações e contratos.
Outro tema bastante esperado, e que é elucidado pelo Decreto, diz respeito ao que se deve considerar um programa de integridade “efetivo”.
Segundo o Decreto, o programa de integridade deve observar as características e riscos das atividades que a entidade desenvolve, garantindo-se seu constante aprimoramento e adaptação.
O decreto prescreve parâmetros de avaliação da efetividade dos programas, incluindo, entre outros, o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, a análise periódica de riscos, a confiabilidade dos registros contábeis, e ainda procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos em processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público. A efetividade do programa de integridade depende ainda das características da própria pessoa jurídica, tais como a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores, da complexidade da hierarquia interna , da utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes comerciais e do setor e país em que atua.
O Decreto nº 8.420 soluciona vários dilemas que eram enfrentados na interpretação da Lei Anticorrupção, e deixa outros que deverão ser solucionados por posterior regulamentação ou pelo Poder Judiciário. Resta saber se, na prática, serão observados princípios relevantes estabelecidos pelo Decreto, como, por exemplo, o sigilo do acordo de leniência e a observância dos direitos de ampla defesa previstos no Procedimento Administrativo de Responsabilização.
* Evane Beiguelman Kramer
Operadores do direito, imprensa e congressistas comentam a sanção do Novo Código de Processo Civil, ocorrido no dia 16/03/2015, e realçam que a finalidade do novo Diploma Processual é acelerar a tramitação dos processos na Justiça.
Do texto sancionado estão sendo alardeados como reveladoras da intenção de dar celeridade aos processos: (i) julgamento em ordem cronológica; (ii) redução do cabimento de recursos no Judiciário; (iii) pagamento de multas de até 20% do valor da causa se ficar comprovado que os recursos apresentados tinham apenas o intuito de protelar a decisão final; (iv) criação do "instituto de resolução de demandas repetitivas", que estabelece um sistema para que ações iguais sejam decididas de uma só vez, para tentar desafogar o Judiciário.
Um cotejo entre o NCPC e o atual Código de Processo Civil, sancionado em 1973, nos leva a apontar as seguintes coincidências: (i) o Diploma atual (agora “velho”) também foi reformado sob o paradigma da “instrumentalidade do processo”, entendida como a atuação processual tempestiva e eficaz, (ii) introduziu os já conhecidos institutos da tutela antecipada e tutela específica no ordenamento processual (arts.273 e 461 CPC), que antecipam, liminarmente parte ou aspecto pedido final (portanto, igualando-se, na espécie, às tutelas de urgência e evidência do NCPC); (iii) ampliou os poderes do relator que, monocraticamente, pode negar seguimento a recursos manifestamente improcedentes, prejudicados ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante; (iv) contemplou a imposição de multa contra embargos manifestamente protelatórios;(v) inseriu o instituto dos recursos repetitivos e da repercussão geral; (vi) previu a litigância de má-fé, um mecanismo que possibilita a punição daquele que se utilizar de forma indevida do processo; (vii) previu a possibilidade do juiz intimar as partes para conciliação, podendo promove-la, “a qualquer tempo”.
Diante disso, voltamos à indagação inicial: estamos, realmente, à frente de um novo modelo (revolucionário) de processo civil? O NCPC será de fato mais eficaz? O novo CPC mudará o paradigma existente de instrumentalidade do processo e acelerará o processamento das demandas? Enfim, por que o atual modelo do Código de Processo Civil não atingiu a tão esperada celeridade e rapidez, se já apresenta tantas semelhanças com o novo CPC?
Muitos responderiam a estas questões dizendo que há uma explosão de litigiosidade, recursos em excesso e que é necessário adotar mais mecanismos de conciliação e cooperação.
Concordamos que adotar mecanismos de conciliação e cooperação cuida de excelente opção, dentro do movimento de alteração de mentalidade social, conhecido por “cultura de paz”. Todavia, esta guinada entre o acesso à Justiça e a busca da solução conciliatória, exigirá a construção ampla de uma política pública focada na alteração profunda na forma de soluções de conflitos, exigindo enfoque destacado na educação. Entretanto é uma mudança lenta e gradual - e mais, não poderá, nunca, afastar a alternativa da judicialização de conflito, ou seja, de trazê-lo para o Poder Judiciário, onde será debatido e decidido.
Porém, não concordamos que a solução passe pela supressão de meios de defesa como alternativa de viabilização de alcance de eficiência de prestação jurisdicional. Na verdade entendemos que qualquer modelo de CPC, no contexto do século XXI, que não modernizar o serviço público jurisdicional, será indiferente. Não se pode pensar em celeridade ou rapidez antes da consolidação de condições razoáveis de prestação jurisdicional.